domingo, 12 de abril de 2009

Mais um ano na merda

Mas, afinal, eu estava a pedalar tão depressa quanto conseguia e mesmo assim teria perdido uma corrida contra uma lagosta só com uma perna. Isto porque uma cabana de pedra, atrás da casa do pai da Florence, era o lar de quatro bicicletas mais velhas e ferrugentas alguma vez conhecidas pelo homem. O quadro, as rodas, as correntes e a barra da direcção estavam cobertas de pústulas castanhas; até os pneus estavam enferrujados, e eu que sempre pensei que fosse cientificamente impossível.
Aparentemente as bicicletas já lá estavam quando ele comprou a casa, e a Florence insistia em que nós as usássemos, mesmo tendo transformado o que seria um passeio de seis quilómetros pelas ciclovias rectas e em bom estado, numa batalha barulhenta e plena de rangidos entre dois bocados de ferro velho e as nossas pedras vulneráveis.
Não restam dúvidas de que há qualquer coisa sexy numa rapariga bonita em cima de uma bicicleta velha – é o contraste, como servir uma sobremesa quente com gelado. Mas não há nada sexy no nosso cóccix fracturado por um selim tão duro como um pedregulho e uma suspensão inexistente. Cada pequena ruga na ciclovia vibrava através das minhas ancas e ameaçava desalojar-me os dentes.

(…)

- E dar quecas à Virginie foi simpático, também, segundo creio?
- Sim, talvez tão simpático como dar quecas ao ucraniano louro e espadaúdo. Não sei. Não experimentei. Mas isso não importa. Não tem qualquer significado. És tu que eu quero. Preciso. Sabes. Amo.
«Uau, aquela palavra dói imenso, mas era melhor estar cá fora do que lá dentro.»
Nós, os bifes, sofremos muito mais do que os franceses. Eles têm a sua palavra «aimer», que significa amar, é claro, mas que também significa gostar. Por isso, consegue-se dizer a uma pessoa que a amamos, mas sem tanto risco e compromisso.
Já mo fizeram uma vez. Uma mulher diz «je t’aime» e depois acrescenta rapidamente «bien» no fim, e de repente é apenas «je t’aime bien» – gosto muito de ti.


Retirado do livro “Mais um ano em França” de Stephen Clarke, editado em Portugal através da Editorial Presença.

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