sábado, 26 de setembro de 2009

Memória das minhas putas tristes

«Cortei-me com a navalha de barbear, tive que esperar que arrefecesse a água do duche aquecida pelo sol nos canos, e o esforço simples de me limpar com a toalha fez-me suar de novo. Vesti-me de acordo com a felicidade da noite: o fato de linho branco, a camisa de riscas azuis de colarinho endurecido com goma, a gravata de seda chinesa, os botins remoçados com branco de zinco, e o relógio de ouro coronário com a corrente presa na casa da lapela. Por fim, dobrei para dentro as dobras das calças para que não se notasse que diminuí meio palmo.
Tenho fama de sovina porque ninguém pode imaginar que seja tão pobre se vivo onde vivo, e a verdade é que uma noite como aquela estava muito acima das minhas posses. Do cofre as poupanças guardado debaixo da cama tirei dois pesos para alugar o quarto, quatro para a patroa, três para a menina e cinco de reserva para a minha ceia e outros pequenos gastos. (...) Então senti a ferroada do pânico e à primeira badalada das oito desci a cambalear as escadas às escuras, suado de medo, e saí para a noite radiante da minha véspera.»
Retirado do livro Memória das minhas putas tristes de Gabriel Garcia Marquez.

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