terça-feira, 5 de janeiro de 2010

30 Dias em Sydney

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Há ainda uma outra complicação no diálogo imaginado entre Nós e Eles. A Austrália branca mantém uma sólida cultura de vitimização, uma cultura que decorre directamente das experiencias da deportação e do exílio. Por isso, mesmo que os deportados violassem e matassem os negros (o que certamente fizeram), legaram também às gerações brancas vindouras um apurado sentido de injustiça.

A história singular de Sydney permite-nos encontrar duas espécies de vítimas da dinâmica cultural. Se julgarmos o comportamento dos nossos antepassados pelos valores que os regiam, consideramos tal comportamento aberrante.

E se o Jack, o Sheridan e o Kelvinator recordarem a cada curva onde os Aborígenes andavam, pescavam e faziam queimadas, isso não é simples paleio romântico, nem mesmo complexo de culpa, são apenas homens brancos a aprender finalmente, a conhecer o país que amam.

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Eu conheço esse nome. É do aborígene mais famoso de todos os tempos. Não foi aquele que foi a Londres e se encontrou com o rei?

Esse foi Bennelong. Este era Bungaree, o que acompanhou Matthew Flinders nas suas grandes viagens de exploração. Era também o grande favorito do governador Macquarie, que a certa altura parece que teve a ideia mirabolante de que o havia de civilizar. O maior desejo de Macquarie era pôr Bungaree e toda a sua gente a viver numa quinta à europeia.

Ora aí tens uma loucura completa.

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Como posso eu ter a esperança de transmitir ao leitor a minha ideia de Sydney? Nunca vi nada que se lhe comparasse em termos de cenários costeiros confinados, no relacionamento particular entre as raças, na pálida tolerância do crime e da corrupção, na grande família que podemos ver reunida à porta do Bar Coluzzi, juízes e escritores e as figurinhas e figurões eufemísticamente chamados de “identidades raciais coloridas”, todos juntos em amena cavaqueira a gozar as delicias do sol e a sentirem-se de certa forma o centro nevrálgico da cidade. Lá dentro podem ver-se na parede as fotografias de George Foreman, Clive James e Cláudia Cardinale.

(…)

Estas tempestades vêm sempre de sudoeste. Depois rodam lentamente para sul, depois para sudeste e, depois, ao longo de alguns dias, para este e para nordeste. E quando o vento finalmente muda para noroeste sabemos que o ciclo vai recomeçar. É assim o Verão em Sydney.

Portanto, a primeira fase do ciclo começou na minha segunda noite no rio. Com vento de sudoeste.

Quando acordei na manhã seguinte soprava um vento forte de sul. Olhei para o céu e vi nuvens cinzentas a deslocarem-se como um tapete rolante, e que velozes que iam. Diria que a uns trinta nós.

Porra para isto. Bem, provavelmente não vai ser nada.
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Retirado do livro 30 Dias em Sydney, de Peter Carey.





Andava em Vidago quando me ligaram da Livraria Centésima Página (mais uma vez foi aqui que me indicaram um livro apropriado!) para ir levantar o livro que tinha encomendado. Segui viagem até Sydney e um pouco à volta por trinta dias, para ler sobre o rio, a ponte, o arenito, os aborígenes e o pedido de desculpas (a que assistimos já depois deste livro pelo Primeiro Ministro Australiano). Este é o grande plano para zero-dez. Bom ano!!!

Música: Sweet disposition - The Temper Trap.

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