domingo, 10 de janeiro de 2010

SUL - Viagens

«Uma das pessoas que me ensinou a viajar foi a minha mãe. Ensinou-mo com uma simples frase. A única vez que viajamos juntos, fomos a Roma. Estávamos sentados uma tarde na Piazza Navona, o seu local preferido de Roma. Ela bebia um dos seus inúmeros chás diários e há mais de uma hora que ali estávamos, sentados a contemplar a beleza perfeita da praça, enquanto fumávamos vários cigarros - ainda o mundo não era o que é hoje, uma quinta de virtudes ditadas pelos americanos. Nenhuma ideia de viagem, para mim, pode prescindir de praças, terraços, varandas, esplanadas, nem que seja um simples monte de areia em pleno deserto.
Mas estávamos ali há demasiado tempo, era a primeira vez que viha a Roma e tinha, logicamente, alguma pressa de seguir caminho e ir ver outras coisas. Sentindo a minha impaciencia, a minha mãe disse-me: "Miguel, viajar é olhar." Até hoje, fiquei sempre cativo desta frase e do que ela implica e compromete o verdadeiro viajante. Tal como a minha mãe escreveu algures, só o olhar não mente, porque todo o real é verdadeiro. Essa necessidade de olhar fez de mim um fotógrafo e um director de filmagens compulsivo, de cada vez que viajava. Em parte, porque o fiz profissionalmente, enquanto jornalista, quis trazer testemunho que pudesse mostrar aos outros. Mas, aos poucos, dei-me conta de que também fotografava para mim, como se quisesse agarrar a câmara e prolongar eternamente os instantes perdidos a olhar todas as coisas. E, paulatinamente, fui largando para trás toda a parafernália fotográfica que sempre me acompanhava. Por um lado, tenho pena, porque gosto do acto de fotografar; por outro, sinto-me infinitamente mais livre, viajando só com o meu olhar e apenas podendo dizer à chegada: "Declaro que vi coisas extraordinárias, de que nenhuma fotografia poderia dar testemunho real."»

Retirado do livro SUL - Viagens de Miguel Sousa Tavares.


Li este livro há mais de quatro anos e hoje lembrei-me dele quando subíamos em coluna para o alto da serra coberto de neve. Volto a pegar nele, até para me documentar para a próxima viagem...

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