domingo, 7 de abril de 2013

Ultimato, por Rui Moreira


«O cidadão tem sido, desta forma espoliado e enganado. Aplaudiu a Expo 98 e achou muito bem que se ressuscitasse uma parte da cidade de Lisboa, que de facto merecia ser requalificada, mas ficou com uma dívida milionária pelos milhões que foram malbaratados. Entusiasmou-se, por patriotismo, com a realização do Euro 2004, e acabou a aplaudir um evento que levou à construção de estádios inúteis, a um preço incomportável, que nunca serão rentabilizados. Apreciou o benefício de novas pontes e estradas que facilitam o seu dia-a-dia, mas que lhes custarão a reforma e o bem-estar dos seus filhos. O país encheu-se, de lés-a-lés, com equipamentos desnecessários, muitos deles ridículos pavilhões multiusos com capacidades exageradas, piscinas municipais que não têm orçamento para aquecer a água, fluvinas em locais onde não há barcos, estátuas indecorosas em rotundas desnecessárias, museus sem conteúdos ou públicos. O país, velho e pobre, adoptou os tiques dos novos-ricos. Naturalmente, o cidadão gosta do luxo quando dele beneficia e quando não conhece o seu custo; e, pelo caminho, aplaude e elege quem mais lhes promete, e garante, tão generoso benefício. Por norma, gosta de obra, mesmo que seja de fachada, e toma como pessimista qualquer político que lhe tente contar a verdade dos factos ou como economicista quem lhe tente demonstrar a dimensão do logro. Provavelmente, continuará a fazê-lo, continuará a beneficiar o infractor, porque lhe dizem que são precisas politicas de crescimento e de investimento, porque ninguém lhe explica que o investimento tem um custo que deve ser associado ao beneficio e, por isso, elegerá o autarca que lhe prometa mais do mesmo, ainda que não haja fontes de financiamento para isso.»

Retirado do livro “Ultimato” de Rui Moreira. 

Sem comentários: