segunda-feira, 11 de agosto de 2008

As duas águas do mar

«(…) E o stress, claro, fica-se mais dependente de coisas como o tabaco, o álcool, a comida.» Paraísos artificiais, estou a ver. «Mais ou menos. Evite beber depois, logo depois do trabalho, evite ir todos os dias ao seu bar preferido, reduza o consumo de álcool. Não se sente melhor se não beber tanto?» Talvez. Desistirei de fumar. Deixarei de beber. «Não é preciso tanto. Seja moderado.» Nunca encontrei nada tão ridículo na vida como a moderação, o meio-termo. «Não seja radical, claro que pode beber, e fumar, e comer. Mas não seja radical.» Mas a vida é radical, sobe-me aos olhos pela manhã esta imagem da vida, é a única que conheço, funda, profunda, vem de uma raiz que não conheço e que nenhum de nós conhece, que nenhum de nós conhecerá. Tenho medo dela. E tenho prazer em encontrá-la, e ela repete-se-me, repete-se sempre à minha frente como uma linguagem surpreendente. «Vá de férias. Mude de sitio, precisa de coisas diferentes.» Como terapia? «Como cura. Mesmo pessoas diferentes, às vezes precisamos disso.» Todos precisamos, não é preciso um médico para o sabermos, para tomarmos consciência disso, há surpresas que procuramos e nunca temos. «Não, não precisa de tomar nada. Quantos anos tem?» Trinta e cinco. Ou talvez mais. «Vive sozinho?» Vivo sozinho, tenho algumas plantas com sede, na varanda, dois pés de azália domesticados, alguns livros, discos, fotografias, uma cana de pesca. E saudades. «A saudade não é uma doença.» Mas é disso que eu me queixo, é isso que me dá insónias.


Retirado do livro “As duas águas do mar” de Francisco José Viegas.

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